Especial | Dia da Conscientização sobre Esclerose Múltipla

​A esclerose múltipla (EM) é uma doença neurológica crônica que compromete o sistema nervoso central​​ (SNC).

A prevalência e incidência de Esclerose Múltipla no mundo variam de acordo com a geografia e etnia, com taxas de prevalência que variam de 2 por 100.000 no Japão e mais de 100 por 100.000 na Europa e América do Norte. No Brasil, estima-se que existam 40.000 casos da doença, conforme a última atualização da Federação Internacional de Esclerose Múltipla e Organização Mundial da Saúde de 2013. O número estimado de pessoas com Esclerose Múltipla no mundo aumentou de 2,1 milhões em 2008 para 2,3 milhões em 2013.

A doença incide geralmente entre 20 e 40 anos de idade, predominando entre as mulheres.  A causa envolve predisposição genética (com alguns genes já identificados que regulam o sistema imunológico) e fatores ambientais, bem como infecções virais (vírus Epstein Barr), exposição ao sol e consequente níveis baixos de vitamina D prolongadamente, exposição ao tabagismo e obesidade,principalmente na fase da adolescência, e mais recentemente um artigo publicado na revista Neurology em 2018, o contato com solventes orgânicos também foi relacionado.

Vídeo – Hospital Albert Einstein| O que é Esclerose Múltipla?

Como ocorre a desmielinização

Nos portadores de esclerose múltipla as células imunológicas invertem seu papel: ao invés de protegerem o sistema de defesa do indivíduo, passam a agredi-lo, produzindo inflamações. As inflamações afetam particularmente a bainha de mielina – uma capa protetora que reveste os prolongamentos dos neurônios, denominados axônios, responsáveis por conduzir os impulsos elétricos do sistema nervoso central para o corpo e vice-versa.

Com a mielina e os axônios lesionados pelas inflamações, as funções coordenadas pelo cérebro, cerebelo, tronco encefálico e medula espinhal ficam comprometidas. Desta forma surgem os sintomas típicos da doença, como alterações na visão, na sensibilidade do corpo, no equilíbrio no controle esfincteriano e na força muscular dos membros com consequentemente redução da na mobilidade ou locomoção.

Imagem | Comparação entre o nervo saudável e o nervo afetado pela esclerose múltipla

A recuperação dos ataques destas inflamações (desmielinização), chamados de surtos, pode ser total ou parcial.

O desenvolvimento da esclerose múltipla

Os surtos (desmielinização) ocorrem a partir do surgimento de um novo sintoma neurológico ou piora significativa de um sintoma “antigo”, com duração mínima de 24 horas. Para ser considerado um novo surto é necessário que ocorra um intervalo mínimo de 30 dias entre eles – caso contrário, considera-se o sintoma “dentro” do mesmo surto em andamento.

O quadro clínico de cada surto é variável e pode associar-se a mais de um sintoma. Alguns pacientes apresentam piora dos sintomas na ocorrência de febre ou infecções, frio extremo, calor, fadiga, exercício físico, desidratação, variações hormonais e estresse emocional – no geral são situações transitórias. Atenção especial às infecções, pois agravam o quadro clínico do paciente desencadeando sintomas que podem ser considerados “falso ou pseudo-surto”. 

A primeira forma de esclerose múltipla chamada surto-remissão ou remitente-recorrente (EMRR) engloba cerca de 85% dos casos. Ele é caracterizada pela ocorrência dos surtos e melhora após o tratamento (ou  espontaneamente). Geralmente ocorre nos primeiros anos da doença com recuperação completa e sem sequelas. Os surtos duram dias ou semanas. Em média os surtos se repetem uma vez por ano caso não inicie o tratamento adequado.

Em um prazo de 10 anos aproximadamente, metade desses pacientes evoluirá para a segunda forma da doença, conhecida como secundariamente progressiva (EMSP). Nesta etapa os pacientes não se recuperam mais plenamente dos surtos e acumulam sequelas. Eles têm, por exemplo, uma perda visual definitiva ou maior dificuldade para andar, o que pode levar à necessidade de auxílio para mobilidade ou locomoção, como apoio de bengala ou cadeira de rodas.

Nos 10% dos casos restantes ocorre a chamada forma progressiva primária (EMPP). Nela há gradativa piora das funções – sem ter necessariamente surtos. E 5% dos pacientes apresentam a quarta forma da doença, mais rápida e agressiva, chamada progressiva com surtos (EMPS). Nesta quarta forma estão combinados a progressão paralela do processo desmielinizante e comprometimento mais precoce dos axônios. 

Sinais e sintomas

Os mais comuns são:

  • Fadiga (fraqueza ou cansaço);
  • Sensitivas: parestesias (dormências ou formigamentos); nevralgia do trigêmeo (dor ou queimação na face);
  • Visuais: neurite óptica (visão borrada, mancha escura no centro da visão de um olho – escotoma – embaçamento ou perda visual), diplopia (visão dupla);
  • Motoras: perda da força muscular, dificuldade para andar, espasmos e rigidez muscular (espasticidade);
  • Ataxia: falta de coordenação dos movimentos ou para andar, tonturas e desequilíbrios;
  • Esfincterianas: dificuldade de controle da bexiga (retenção ou perda de urina) ou intestino;
  • Cognitivas: problemas de memória, de atenção, do processamento de informações (lentificação);
  • Mentais: alterações de humor, depressão e ansiedade.

Diagnóstico

Para o diagnóstico da esclerose múltipla são utilizados os Critérios de McDonald de 2017, que considera vários aspectos clínicos e de imagem, associado à análise do líquor com a pesquisa de biomarcadores específicos.

O médico solicitará o exame de coleta de líquor (LCR: líquido cefalorraquidiano) – líquido extraído por uma punção na coluna lombar, que em alguns casos ajudará a confirmar o diagnóstico.

Existem outros testes e exames complementares que podem ser solicitados para diferenciar as doenças com sintomas semelhantes ou confirmar o diagnóstico. 

Diagnosticar a doença precocemente faz toda a diferença. Quanto mais cedo o tratamento é iniciado, maior a chance de modificar a longo prazo o curso natural da esclerose múltipla – reduzindo o número de surtos, lesões e sequelas neurológicas.

Tratamento

Atualmente há diversos medicamentos que auxiliam no tratamento dos pacientes, como imunomoduladores e imunossupressores, incluindo as novas drogas orais e os anticorpos monoclonais, medicamentos mais eficazes, e em situações especiais indica-se o transplante autólogo de células tronco hematopoiéticas. O objetivo é combater o surgimento de lesões no sistema nervoso central, a ocorrência de surtos, o acúmulo de sequelas e também a progressão das dificuldades neurológicas.

No momento do surto, os corticosteroides em altas doses proporcionam uma recuperação mais rápida ao paciente, mas , em casos mais graves pode ser usada a  plasmaférese (técnica de filtração do plasma para retirar anticorpos).

Além dos tratamentos específicos para evitar o surgimento de lesões e dos surtos, também utiliza-se vários medicamentos para alívio de sintomas como fadiga, descontrole esfincteriano  e da rigidez muscular chamada de espasticidade. A decisão para o melhor tratamento a seguir deve ser tomada pelo seu médico em conjunto com você e a sua família.

É fundamental o tratamento multidisciplinar! Associado ao tratamento farmacológico específico deve acontecer a reabilitação global, abrangendo as suas necessidades, como: fisioterapia, fonoterapia, terapia ocupacional, neuropsicologia e apoio psicológico.

A Reabilitação na Esclerose Múltipla

Como o processo inflamatório pode atingir o sistema nervoso como um todo, as dificuldades funcionais do paciente podem se manifestar de forma variada, podendo ser de caráter geral, tais como fadiga, alterações cognitivas, depressão, como localizado, ou mais específicas, como as alterações na deglutição, na fala, no controle intestinal e urinário, fraqueza muscular, espasticidade e alterações de sensibilidade.

As alterações de mobilidade devem ser avaliadas de maneira completa, para que o tratamento possa ser direcionado para as causas principais (perda de equilíbrio, fraqueza muscular, incoordenação motora, perda de sensibilidade posicional, espasticidade). O tratamento engloba tanto os exercícios terapêuticos quanto medicações via oral e injeções de toxina botulínica ou fenol.

A fadiga é uma queixa muito frequente, e está associada a disautonomia (dificuldade de controle na pressão arterial) e pode melhorar bastante por meio da reabilitação autonômica, associada a um programa de condicionamento físico.

As alterações esfincterianas, principalmente as urinárias, são bastante comuns entre os pacientes, e podem ser tratadas com medicações que melhoram o controle da urina ou a contratilidade da bexiga, assim como exercícios que melhoram a percepção e a força de contração da musculatura pélvica.

As alterações cognitivas (de memória ou outras funções) muitas vezes não são evidentes, mas podem provocar um impacto importante na organização da vida do paciente e em sua independência. Existem testes neuropsicológicos que são aplicados para a avaliação, e a reabilitação neuropsicológica propriamente dita estará indicada.  

O tratamento medicamentoso atual da esclerose múltipla visa evitar a progressão da doença e preservar ao máximo a funcionalidade do paciente, mas é o tratamento reabilitacional que vai proporcionar a possibilidade de melhora funcional. Para que o tratamento de reabilitação na esclerose múltipla seja eficaz e traga impacto positivo na qualidade de vida do paciente, deve ser baseado em um plano voltado para as suas necessidades.

Texto retirado do site Albert Einstein.